quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Trabalhar no Interior – um simples desabafo

Nos dias que correm os equívocos acerca da vida no Interior são tão
frequentes que acabam por passar, muitas vezes, despercebidos. Mas um
olhar mais atento, uma audição mais apurada podem proporcionar uma atitude esclarecedora e enriquecedora, quiçá capaz de motivar os mais citadinos a
deslocarem-se ao tão “estranho” Interior.

Há uns anos atrás acabava por me silenciar face a declarações típicas
de quem nunca viveu em aldeias, vilas ou mesmo cidades do interior do país.
Tantas vezes ouvi dizer: “Mas o que se pode fazer nessas aldeias? Como se
sustenta por lá uma família? À custa da horta ou do quintal lá de casa?”.
Outrora esta era a realidade e, actualmente, por força da tão badalada crise, há quem se esforce por retornar aos tempos humildes e fartos da agricultura e
pecuária como profissão banal. A verdade é que o povo do interior também se
actualizou, também se licenciou (talvez em demasia) e vive num mundo actual
e real à proporção daquilo que lhes permitem executar.

Como em qualquer outra situação há bons e maus exemplos. Existem
vilas e cidades do interior que estão irreconhecíveis e que trouxeram
oportunidades de trabalho impensáveis há uns anos atrás. Visitem a Guarda ou
Viseu e se tiverem lá estado há uns 10 anos atrás vão perceber aquilo de que
falo. No entanto, as aldeias e povoados mais pequenos sofrem naturalmente
com esta evolução. É pena, porque há zonas rurais lindíssimas que mereciam
habitantes e turistas dedicados. Não se pode ter tudo e, se ao menos
em “novas cidades” como Trancoso, pudéssemos trabalhar depois de tantos
anos fora a estudar, seria deveras gratificante! A criação de oportunidades
talvez seja possível e constitua a simples solução para que pessoas da terra
não escapem e possam mostrar às famílias e amigos do litoral, a qualidade da
vida no Interior.

Curioso é o facto de eu ter encontrado trabalho também no Interior…mas
no interior alentejano. Talvez possamos acompanhar o Alentejo (tão criticado
pela falta de oportunidades) e transformar a vida simples do interior beirão no
nosso quotidiano.


Cecília Esteves

Os nossos direitos

Todos nós, cidadãos, somos pautados por um princípio que nos proclama como iguais perante tudo e todos com os mesmos direitos e deveres, sejamos ricos ou pobres, é o princípio da igualdade que vem plasmado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP).www.dre.pt/comum/html/legis/crp.html
O número 2 deste artigo, que é bem claro e não deixa margem para lacunas, diz “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”, quer assim dizer que todos temos direito ao Direito.
Por isso é errado pensar que só quem tem elevados meios económicos é que pode intentar uma acção em tribunal. O artigo 20º da CRP, com a epígrafe de “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” pauta no seu número 1 que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos” e acrescenta ainda que a justiça não pode ser “denegada por insuficiência de meios económicos”. Daqui se pode depreender que os tribunais não existem só para grandes e dispendiosos processos e consequentemente para pessoas influentes.
Qualquer cidadão pode e deve ter acesso ao nosso Direito, às nossas Leis, aos nossos Tribunais, até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Além dos tribunais que conhecemos, os Tribunais de Comarca, os Tribunais da Relação, os Tribunais específicos, existem também Tribunais Extrajudiciais que são o caso dos Julgados de Paz. http://www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt/index.asp?id=JulgadosPaz
Estes tribunais têm características especiais, só resolvem matéria cível, excluindo assim a matéria criminal e são também excluídas as causas de Direito da Família, Direito das Sucessões e Direito do Trabalho.
A competência destes tribunais passa apenas por apreciar e decidir acções declarativas cíveis; estas acções vêm plasmadas no artigo 4º do Código de Processo Civil http://www.stj.pt/nsrepo/geral/cptlp/Portugal/CodigoProcessoCivil.pdf
E no artigo 9º da Lei nº78/2001 vêm especificadas todas as questões que um Julgado de Paz pode resolver http://dre.pt/pdf1sdip/2001/07/161A00/42674274.pdf
Esta lei regula a competência, a organização e o funcionamento dos Julgados de Paz.
Mas os Julgados de Paz têm uma particularidade que assim o tornam mais célere e de baixos custos, estes tribunais só apreciam acções com valor não superior a 5.000€; e os custos são uma taxa de valor único de 70.00€, que fica a cargo da parte vencida ou repartidos entre o demandante e o demandado. Mas caso o acordo surja através de mediação a taxa é reduzida para 50.00€.
Os processos que dão entrada nestes tribunais podem ser resolvidos através de Julgamento, realizado por um Juiz de Paz ou através de Mediação com a intervenção de um Mediador de Conflitos.
A Mediação é uma forma voluntária e confidencial de resolver litígios, isto porque, as partes, auxiliadas por um Mediador de Conflitos, tentam alcançar uma solução que satisfaça ambas as partes, caso seja encontrada uma solução, o Juiz de Paz vai homologar com decisão de sentença.
Há sempre possibilidade de recurso para um Tribunal de Comarca ou para um Tribunal de Competência específica, mas para isso é necessário que o valor da acção seja superior a 2.500€.
O Julgado de Paz de agrupamento dos concelhos de Aguiar da Beira e Trancoso foi criado através do Decreto-lei nº9/2004 e abrange todas as freguesias destes concelhos Decreto - Lei nº 9/2004 (1ª Série - A), de 09.01
Por isso a Justiça não está apenas ao alcance de alguns, está ao alcance de todos.
A Justiça e o Direito devem ser sempre a nossa pedra basilar enquanto sociedade civil.

Este gráfico mostra a eficácia dos Julgados de Paz:

http://www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt/Conselho/Estatisticas/EstatisticasABRIL2010.pdf


Vera Martins

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Educação Interior

Há uns meses, a meio de uma banal conversa de café, um grande amigo meu que nem gosta do Interior nem tenciona ter filhos disse-me categoricamente que, para ele, a única grande vantagem destas terras é que “continuam a ser o melhor sítio para educar um filho”.

Á primeira vista a afirmação parece um rotundo contra-senso, desmentido pela realidade com que esbarramos diariamente: as escolas do Interior aparecem quase sempre mal classificadas nos rankings nacionais; a existência de ensino particular é ínfima; a oferta de actividades de complemento curricular é, em muitos locais,reduzidíssima; entre outras razões. Todavia, houve e há um significativo número de
pessoas do Interior que consegue apresentar-se na linha da frente nas mais diversas áreas da sociedade. Apesar da assimetria de recursos disponíveis, têm conseguido fintar a
interioridade e triunfar na vida.
A educação que pode levar vantagem no Interior não é a que se estuda nos modernos manuais de pedagogia. Trata-se da educação cujas raízes são ancestrais,aquela que ainda não se perdeu devido à preservação de um contexto que lhe é propício.
É a educação dos valores-base, que alicerçam solidamente uma posterior formação de qualidade. E nesse campo, o Interior conserva ainda um conjunto de características catalisadoras desse tipo de educação, como a proximidade inter-geracional, o espaçonatural, a segurança ou o tempo.

Apesar de escassa, a minha experiência profissional revelou-me já um fenómeno surpreendente: crianças altamente capacitadas e formadas, com acesso a riquíssimos e
variados recursos educativos, fracassam muitas vezes por falta de valores tão simples como preponderantes. De facto, vêem-se demasiadas crianças que, por exemplo, apresentam uma baixíssima resistência ao fracasso, desistindo aos primeiros sinais de frustração. De facto, vêem-se demasiadas crianças cuja falta de autonomia as impede de inventar soluções para os problemas fora do espectro de soluções “pré-cozinhadas”, que lhes são servidas pelos programas, jogos ou manuais educativos. De facto, há demasiadas crianças que têm por único companheiro o computador e que, por isso, não
conseguem trabalhar em equipa, conjugando esforços movidos por uma vontadecomum, como é necessário à concretização das grandes obras.

A banal conversa de café conduziu-me afinal a reflexões, de onde depreendi que porventura foi-me mesmo importante poder ter vindo a pé da escola, sem supervisão. Que foi importante fazer “recados” no mini-mercado do bairro. Que foi importante ter visto as mãos perseverantes do meu avô insistindo com o castanheiro que teimava em secar-se. Ou mesmo que foi importante ter tido tempo para ficar a ver as nuvens moverem-se, podendo imaginar nelas o que me viesse à cabeça.

No Interior, menos povoado, subsistem ainda algumas características contextuais (muito propícias ao desenvolvimento de determinadas competências) que dificilmente se encontrarão numa grande cidade. No entanto, em vez de preservarmos essas características ao mesmo tempo que lutamos por uma melhoria de recursos (que tem
acontecido significativamente nos últimos anos), parece que cegamente incutimos nas nossas crianças o modo de viver das grandes urbes, apagando ou ignorando assim as
vantagens que ainda preservamos, para copiar o frenesim de uma vida metropolitana, sem autonomia, sem espaço e sem tempo.

Seria óptimo que as crianças do Interior pudessem cada vez mais desfrutar do ensino da música ou das línguas estrangeiras, praticar desportos de acordo com as suas
preferências e aptidões, ou terem acesso a bens culturais diversos como o cinema ou o teatro de qualidade. Essa deve ser uma luta de primeira ordem que temos que levar a
cabo. Contudo, obter essas condições não implica desprezar outras que se têm revelado importantíssimas. Deve-se, isso sim, fazer um esforço para conjugar os dois tipos de educação, a ancestral e a moderna, a dos valores e a das competências, de modo a alcançarmos uma simbiose perfeita que transformará o Interior num espaço privilegiado para educar, o que será um dos seus grandes atractivos.


Daniel Joana