segunda-feira, 26 de julho de 2010

Educação Interior

Há uns meses, a meio de uma banal conversa de café, um grande amigo meu que nem gosta do Interior nem tenciona ter filhos disse-me categoricamente que, para ele, a única grande vantagem destas terras é que “continuam a ser o melhor sítio para educar um filho”.

Á primeira vista a afirmação parece um rotundo contra-senso, desmentido pela realidade com que esbarramos diariamente: as escolas do Interior aparecem quase sempre mal classificadas nos rankings nacionais; a existência de ensino particular é ínfima; a oferta de actividades de complemento curricular é, em muitos locais,reduzidíssima; entre outras razões. Todavia, houve e há um significativo número de
pessoas do Interior que consegue apresentar-se na linha da frente nas mais diversas áreas da sociedade. Apesar da assimetria de recursos disponíveis, têm conseguido fintar a
interioridade e triunfar na vida.
A educação que pode levar vantagem no Interior não é a que se estuda nos modernos manuais de pedagogia. Trata-se da educação cujas raízes são ancestrais,aquela que ainda não se perdeu devido à preservação de um contexto que lhe é propício.
É a educação dos valores-base, que alicerçam solidamente uma posterior formação de qualidade. E nesse campo, o Interior conserva ainda um conjunto de características catalisadoras desse tipo de educação, como a proximidade inter-geracional, o espaçonatural, a segurança ou o tempo.

Apesar de escassa, a minha experiência profissional revelou-me já um fenómeno surpreendente: crianças altamente capacitadas e formadas, com acesso a riquíssimos e
variados recursos educativos, fracassam muitas vezes por falta de valores tão simples como preponderantes. De facto, vêem-se demasiadas crianças que, por exemplo, apresentam uma baixíssima resistência ao fracasso, desistindo aos primeiros sinais de frustração. De facto, vêem-se demasiadas crianças cuja falta de autonomia as impede de inventar soluções para os problemas fora do espectro de soluções “pré-cozinhadas”, que lhes são servidas pelos programas, jogos ou manuais educativos. De facto, há demasiadas crianças que têm por único companheiro o computador e que, por isso, não
conseguem trabalhar em equipa, conjugando esforços movidos por uma vontadecomum, como é necessário à concretização das grandes obras.

A banal conversa de café conduziu-me afinal a reflexões, de onde depreendi que porventura foi-me mesmo importante poder ter vindo a pé da escola, sem supervisão. Que foi importante fazer “recados” no mini-mercado do bairro. Que foi importante ter visto as mãos perseverantes do meu avô insistindo com o castanheiro que teimava em secar-se. Ou mesmo que foi importante ter tido tempo para ficar a ver as nuvens moverem-se, podendo imaginar nelas o que me viesse à cabeça.

No Interior, menos povoado, subsistem ainda algumas características contextuais (muito propícias ao desenvolvimento de determinadas competências) que dificilmente se encontrarão numa grande cidade. No entanto, em vez de preservarmos essas características ao mesmo tempo que lutamos por uma melhoria de recursos (que tem
acontecido significativamente nos últimos anos), parece que cegamente incutimos nas nossas crianças o modo de viver das grandes urbes, apagando ou ignorando assim as
vantagens que ainda preservamos, para copiar o frenesim de uma vida metropolitana, sem autonomia, sem espaço e sem tempo.

Seria óptimo que as crianças do Interior pudessem cada vez mais desfrutar do ensino da música ou das línguas estrangeiras, praticar desportos de acordo com as suas
preferências e aptidões, ou terem acesso a bens culturais diversos como o cinema ou o teatro de qualidade. Essa deve ser uma luta de primeira ordem que temos que levar a
cabo. Contudo, obter essas condições não implica desprezar outras que se têm revelado importantíssimas. Deve-se, isso sim, fazer um esforço para conjugar os dois tipos de educação, a ancestral e a moderna, a dos valores e a das competências, de modo a alcançarmos uma simbiose perfeita que transformará o Interior num espaço privilegiado para educar, o que será um dos seus grandes atractivos.


Daniel Joana